Pedro da Rabeca
Pedro da Rabeca e o som que vem do coração (2007)
O primeiro aviso veio por e-mail. A assessora de imprensa do teatro onde ‘seu’ Pedro da Rabeca ia tocar alertou: “Olha, não vai ser fácil entrevistar ele não. Ele quase não fala, é bem ‘do interior’ mesmo. Caladão, na dele. Mas você pode tentar, se quiser”. O segundo aviso foi dado pelo Marcelo, o diretor do teatro, minutos antes da entrevista. “Seu Pedro quase não fala, ele é tímido e talvez nem saiba como responder para você. Vá com calma, com muita paciência, talvez você consiga”.
Eu não sei se foi porque estávamos só nós dois e mais o filho e o amigo dele, seu Milton, o tocador de pandeiro que acompanha o show e também faz as vezes de backing vocal, ou se foi porque ele estava nervoso e desatou a falar para se acalmar. Sei que "seu" Pedro falou, falou e falou, contou histórias de quando era criança. Emendou com a história da compra da "rebeca" que o acompanha há quase 40 anos, depois com as rezas que faz em maio em louvor a Nossa Senhora. Falou também que a esposa sente ciúme da "rebeca". Contou que quer gravar um CD, que o filho nunca tinha visto um teatro. Que faz roça de dia e toca de noite até a hora que o sono vem...
Entre uma história e outra, pausa para tocar – “uma serenatinha pra senhora”, ele disse. Depois, um belo show de mais de uma hora, com baião, cantiga de reisado, forró, samba e prosa com uma platéia curiosa e atenta. Ver a simplicidade daquele homem encanta e pensei mesmo em transcrever a entrevista do jeito que ele fala, mas não teria a mesma graça, a mesma poesia.
"Seu" Pedro conta que o interesse pela rabeca apareceu quando ainda era pequeno e via o avô tocar. “Eu vivia pedindo a ‘rebeca’ dele, insisti tanto que um dia ele disse: ‘toma menino véi, leva logo esta rebeca pra ti, mas eu sei que tu vai é quebrar ela, porque tu não sabe tocar é nada’. Aí eu levei, pedi pro meu pai trocar as cordas, ajeitei ela todinha e comecei a tocar. A primeira música que aprendi foi uma de divindade, musiquinha de reisado, aí depois disso eu não quis saber mais de nada, porque quem gosta de tocar não quer mais outra coisa, não”, lembra.
Modesto, diz que seria um grande músico se tivesse tido a oportunidade de estudar. “Eu toco porque aprendo a música na hora que eu escuto. Eu sou ‘tão dum jeito’ que se a senhora pedir pra eu tocar uma música eu toco, mas não sei dizer que tom é aquele que eu toquei. E eu acho bonito demais quem sabe dizer os tons todinhos, explicar o que foi que tocou”.
Aos 62 anos, ele sonha com o primeiro CD, para poder deixar registrado o que aprendeu nos mais de 45 anos enrabichado com a rabeca. “Eu tenho vontade demais de ter o meu CD, mas o pessoal diz que tem que ter doze músicas só da gente mesmo...aí eu não sei. Só se eu gravasse com música dos outros, mas aí eu não sei se pode, né? Se aparecesse um jeito de eu gravar, eu ia achar bom demais”.
O dia-a-dia do "seu" Pedro é igual ao de todo trabalhador de roça. Ele mora no Roncador, zona rural de Timon (MA). Acorda cedo, vai cuidar da plantação, corta lenha, faz trabalho braçal. No meio da entrevista, me mostra as mãos calejadas da peleja com enxada e diz que de noite é hora de ser mais feliz um pouquinho. “Eu pego a minha ‘rebeca’ e fico tocando. Minha ‘véa’ reclama, que ela tem um negócio de ver uma tal de novela todo dia e diz que eu atrapalho ela. Aí eu saio logo de perto, vou pra casa do forno e fico tocando até o sono chegar. Ela pergunta se eu não abuso de tocar, eu digo logo a ela que não abuso não, que fico alegre quando estou tocando”.
O violinista Sérgio Mattos, músico erudito e rabequeiro, foi quem apresentou Pedro da Rabeca ao público de Teresina. Fez questão de esclarecer a diferença entre o instrumento e o violino, considerado por muitos como “o primo rico”. “Uma rabeca não é só um violino mal feito, como muita gente pensa. É um instrumento especial porque cada rabeca é única, ela não é produzida em série. Cada uma traz consigo uma grande história”, disse.
Taí "seu" Pedro e a dele pra confirmar.
Fonte: Natacha Maranhão
Mais informações:
http://www.overmundo.com.br/overblog/pedro-da-rabeca-e-o-som-que-vem-do-coracao
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