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Bernardo Ribeiro


Foto: José Hermínio da Costa Machado

Em Carvalho de Rei: as idades da música (2007)

Carvalho de Rei, concelho de Amarante, na serra da Aboboreira, dia 30 de Outubro de 2007, Terça-feira, a partir das 14.00 horas. Fui lá para entrevistar uns informadores da Chula de Carvalho de Rei. O Sr. Eduardo Vasconcelos, de Baião, produtor de vinho que encontrara no Congresso sobre o Vinho Verde realizado em 19, 20 e 21 de Outubro na Maia, no Porto, em Penafiel e em Baião, foi o preparador e o cicerone deste encontro. A minha curiosidade exprimiu-se em pouco: saber de tocadores de chula nas terras do Vinho Verde em paisagem já duriense, para um possível trabalho sobre os sons e as gentes, no âmbito da minha ligação ao GEHVID como investigador. Aproveitei uma ida ao Hospital de Sto António com minha esposa e da parte da tarde marquei encontro na aldeia, depois de almoçar no Varanda da Serra, na estrada de Amarante para a Régua, já muito perto do território da freguesia de Carvalho de Rei. Virei logo à frente, onde havia uma placa a indicar «aldeias preservadas» e subi. Cheguei ao largo e fotografei o espigueiro e as medas de milho. Um senhor aproximou-se e meteu conversa: fiquei a saber que ele acabava de convocar para as 15.00 da tarde os músicos da tocata, da chulada de Carvalho de Rei, porque «vinha um senhor de Braga para os ouvir»: era eu, e eu só pensara que ia falar com alguém que conhecera os músicos, que os ouvira, que saberia deles um pouco mais que o meu informador. Chegou logo a seguir o Sr. Eduardo Vasconcelos. Fomos dar uma volta pela aldeia: o rural na plenitude das suas marcas: campos a rodear as casas, casas de pedra ligadas aos campos, às hortas, um couval imponente, uma rapariga a trabalhar, uma cara a espreitar da porta, uma senhora de idade sentada na berma, casas e ruas e quelhas antigas, muito escarificadas pelo tempo, fechadas quase todas, a casa da venda também fechada (abria só de manhã), ruas estreitas e tortuosas, uma sensação de solidão e de isolamento. Metemos à conversa com um senhor, Bernardo de seu nome, Bernardo Ribeiro, 80 anos feitos em Março, tocador de rabeca chuleira, que a tirara do estojo preto onde a guardava embrulhada em jornais, com arames a prender a caixa, arco ainda em boas condições. Logo a seguir chegou o senhor Barbosa, 90 anos e 4 meses, com o violão a tiracolo, sem uma corda, mas municiado dela, a prima, que ajudei a colocar: violão rachado, cavalete aparafusado, corda ou guita a segurar a palheta percutiva, feita de osso, travessão a requerer cuidados no aperto, afinação a precisar de ajuste, funcional. Conversámos, gravei os sons possíveis, fiz umas fotografias com o telemóvel, falhei um pequeno video, consegui outro mais pequenino. A Tininha sentiu arrepios quando ouviu o som da rabeca, saiu com um sentimento de angústia e de tristeza, não esperava aquela sensação de perda, que nos vem quando sentimos que estamos a ouvir um som que já foi pleno de vigor e de ritmo e agora o sentimos aproximado, desculpado pela idade. Os músicos, dois, que os outros já se foram, viveram intensamente os seus instrumentos e a sua música, desde a juventude dos 18 ou 19 anos, com todo o tipo de actuações e em todos os tipos de lugar ou de palco, em Espanha e até na França, sons que devem ainda andar por aí em cassetes e em discos, sempre assumidos como próprios, como identitários da terra e deles mesmos. E ali estavam os dois a executar as melodias de chulas e modas, numa entrega ao momento, desculpando-se, mas assumindo o som com a capacidade possível, fiel à memória, próximos e convictos da demonstração. Senti-me recompensado. Deus lhes dê vida e saúde e me permita um agradecimento tão nobre quanto a lição que pude receber.

Fonte:

Mais informações:

http://mineirodejales.blogspot.com.br/2007/11/em-carvalho-de-rei-as-idades-da-msica.html

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