Agostinho Gomes
Biografia (2006)
Agostinho Gomes é rabequeiro e construto de instrumentos. Nasceu em 1929, em Rio Vermelho, localidade do distrito do Ariri, em Cananéia. É filho de Dária Alves Gomes e Jose Silvino Gomes. Seu pai era violeiro e, apesar de não fazer instrumentos, sabia trabalhar com madeira, construindo canoas, remos e gamelas. Alguns de seus irmãos sabiam tocar rabeca e viola.
"Um era Silvino, Silvino Gomes, Júlio Gomes, José Gomes, que sabiam tocar viola. Silvino e José sabiam tocar rebeca, mas, quando tocavam rebeca, eu era um piazinho assim, que nem pegar na rebeca não deixavam pegar, pra ver. Guardavam a rebeca lá em cima pra mim não quebrar."
Agostinho começou a aprender a talhar a madeira com o pai e depois seguiu caminho sozinho.
"Eu sei fazer... Nem me lembro até o que eu sei fazer! Eu sei fazer canoinha, faço caiaque, faço prancha, faço passarinho, faço peixe e golfinho, faço espingardinha, faço papa-vento – põe no vento, o vento vira, papa-vento, né? – faço bengala, faço bordão (...) Também faço casa, de madeira também (...) Instrumento musical, eu sei fazer rebeca, sei fazer estezinho aqui também (cavaquinho). Quando tinha fôrma, antigamente, mais atrás, eu fazia viola também, na fôrma, que a viola precisa da fôrma pra fazer. Faz de cocho, mas de cocho fica muito pesado demais a viola, né? Os Pereira fazem de cocho, fica viola pesada... Eu gosto de fazer de cocho. Eu fazia de aro".
O primeiro instrumento que aprende a fazer foi machete, com cerca de dez anos de idade. Aos quinze anos, pediu para o pai uma rabeca e começou a fazer e tocar rabeca.
"Eu comprei uma rebeca, aprendi a tocar nela. Não sabia nada. Ali, num mês eu comecei a tocar a rebeca já. Mas eu tinha as músicas da rebeca tudo encasquetada, porque eu escutava a rebeca quando passava bandeira. Encasquetava aquela música na cabeça. Quando eu peguei a rebeca, já tava tudo aqui. Deu certo, né?"
Este mesmo instrumento, com o qual aprendeu a tocar, serviu – lhe de fôrma para fazer a primeira rabeca.
"Foi dali que comecei a ter idéia de fazer. Era uma rebeca muito grande, muito boa e muito feia também, né? Comecei a tocar ali. Tocar, tocar, tocar... Passou um mês, já fazia uma nota boa nela já, aí pensei: “Essa aí eu faço”, pensei pra mim. Derrubei uma madeira lá, tirei o machado nele, foi indo, fiz a rebeca. Toque nela e saiu boa também. Ai fui fazendo. Ai a pessoa queria um, outro queria também. Fui fazendo. Eu fazia só de cocho. Depois tentei, vi uma feita de aro, no tempo da bandeira. Peguei na rebeca deles, vi que era feita de aro não era de cocho , resolvi fazer uma de aro também. (...) Eu fiz a fôrma, eu que fiz – eu fazia de cocho, depois passei a fazer de aro. Eu fiz a fôrma, tirei o sarrafinho. Como é que eu pensei: “Como é que eu vou pôr na fôrma? Pra colar, depois não sai. Como é que eu vou fazer? Garrei, furei igual como tá aquilo ali. De mim mesmo ninguém disse “Faça assim, faça assado”. Depois serrei o arinho interno. “Como é que vou colar?” Não tem com quê colar.” Garrei, fui no mato. Pensei de mim mesmo, que quando a gente fazia derrubada, tinha feito muito jacatirão, que tem hoje por ai, que chamam quaresma, flor do natal. Tem muito pelo morro. Então, a gente cortava ela, ela tinha grude, grudava na mão da gente assim. Eu pensei: “ Se fizer uma cola disso daqui, deve ser bom”. Fiz o teste: peguei ela, tirei a casca dela, tirei o limo dela, raspei bem raspado, moí bem moído, peguei duas tabuinha, pus na pressão, No outro dia fui ver, não dava pra tirar. Eu digo: “É você mesmo!”, fiz a cola dessa madeira que tem no mato. Pode molhar que não sai (...) Aí comecei a colar com essa cola. Boa mesmo. Aí fiz o arinho de dentro, ali não pode colar, porque é fininho o aro de fora. Então tem que encostar um no outro pra ficar grosso. Vou por aí, né? E quando eu vinha em casa da minha avó, que morava perto da Praia do Meio, que é Maruja hoje, eu levava sumbaré. Sumbaré é uma planta que tem na beira do mar, na praia. A gente arranca ele, na minguante, assa ele embaixo da cinza do fogo, depois tira ele e raspa ele assim, fica uma cola boa. É assim que o fabricante ali do Maruja colavam viola".
Além de Paulo Rodrigues e Elísio Rodrigues, construtores de instrumento da Ilha do Cardoso, Agostinho lembra outros bons construtores da época em que era menino, como Adauto Pereira, pai de Franklin Pereira, Juvenal Caxeta e Silvinho, de cujo sobrenome ele não se recorda.
Agostinho começou a freqüentar fandangos também aos quinze anos. O primeiro baile em que esteve foi no Varadouro, na Baixada do Morro do Gato, onde tocavam os violeiros Erundino Costa, do Paraná e João Gonçalves, do próprio Varadouro.
"Foi nesse fandango que eu comecei a dançar. Só lixado, não sapateava ainda (...) Eu tinha vergonha de dançar. Muita vergonha, muita vergonha. Ai veio uma lá: “Vamos dançar, moço, vamos dançar?”. Minha irmã me levou e fez eu dançar com ela. A dama que me tirou ainda! Mas também, desse dia em diante, eu comecei a dançar. Amanheci dançando nesse fandango".
Logo em seguia, aprendeu o batido, com tamanco no pé, dançando devagarzinho, no meio de quem sabia.
"Lá tinha meu irmão, chamava-se Júlio Gomes, tinha Afonso Barbosa, tinha João Pereira, Zacarias, César Pontes.... Tudo era mestre. Ali na roda pode tá cinco mestres, mas só um é mestre, só um que começa. A hora de bater, só um mestre que começa e os outros mestres vai atrás, e quem não sabe também vai no mesmo caminho. Só um bate primeiro".
Agostinho também aprendeu a tocar reiada e romaria de bandeira. Chegou a sair uma vez com rabequeiro de uma das bandeiras de Cananéia.
"Eu sai uma vez só. Sai daqui pra Superagui. Ilha das Peças, tudo eu andei com a bandeira, (...) Essa bandeira ia pra lá mesmo, por Sul. Sai daqui pro Sul, peguei uma bandeira aqui e fomos embora. Ilha das Peças, Superagui, Canudal, Barbado, Laranjeira, tudo aqueles lado por lá. Eu tocando rebeca. O mestre era o finado Jacaré".
No Rio Vermelho, Agostinho vivia da roça. Plantava arroz, feijão, mandioca e milho. Quando precisava de outras coisas, buscava no centro do Ariri.
"Buscava no Ariri. Quando eu era pequeninho, não tinha caminho. O caminhão era o rio de água doce que saia do pé da selva e desaguava na maré. No Ariri, ia por canoa, descia por canoa e subia por canoa. Canoa carregada. Meu pai na canoa, eu também na canoa com ele, com um reminho pequeninho, também remava com ele. Pra batizar uma criança, era difícil ter um padre. Carecia saber quando o padre de Paranaguá tava em Ararapira para ir batizar uma criança. Meu pai já levava um maço, quando ia batizar".
Agostinho casou-se em Ararapira, na Ilha Superagui, com Ilza Alves Gomes, a Zizinha. Com ela, teve um filho, Jolimar, que apesar de gostar de fandango, não aprendeu a tocar nenhum instrumento, No Rio Vermelho, morou até completar quarenta anos de idade.
"O motivo de sair de lá foi porque a gente não podia trabalhar no mato mais. Não podia cortar madeira, lavrar a terra... Então, saiu todo mundo. Ninguém podia fazer mais nada no mato, que fazia qualquer roça, era embargado. Não podia fazer mais nada. Então, eu já sabia alguma coisinha quando tava lá, vim pra cá".
Mudou-se para o bairro de Carijó, o próximo ao Centro de Cananéia, e começou a trabalhar em firmas de construção como carpinteiro. Mais tarde aposentou-se e passou a complementar a renda com artesanato. Agostinho deu aula de artesanato caiçara para estudantes do município e foi a São Paulo ministrar uma oficina no SESC sobre construção de rabeca.
Fonte: PIMENTEL, A. GRAMANI, D. CORREA, J. (ORG). Museu vivo do Fandango. Rio de Janeiro: Associação Cultural Caburé, 2006
Mais informações:
http://www.rabeca.com.br/
Enviado por Iain Mott.
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