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Maciel Salú
Uma Vida de Música (2007)
Vindo de uma família envolvida com a cultura popular, Maciel Salustiano Soares, ou Maciel Salú, se define como "matuto e tímido", mas é, na verdade, uma pessoa simpática e bem falante. Pertencente à terceira geração do clã rabequeiro dos Salustiano, ele fala orgulhoso sobre suas influências musicais, desde o tempo de criança. Naquela época, sua única diversão permitida era brincar cavalo-marinho, coco e maracatu com o pai e os irmãos nas festas do Recife e do interior de Pernambuco. Quando decidiu sair debaixo da asa paterna, Maciel encontrou uma certa resistência. Mestre Salustiano não gostava da idéia de ver os filhos longe de seus olhos. E foi difícil entender que o quarto de seus 15 filhos queria alçar vôo.
A carreira musical começou dentro da família nas bandas Quentes do Forró, fundada pelo tio Antonio Salustiano, em que Maciel cantava e tocava zabumba, e Sonho da Rabeca, formada por seu pai, irmãos e agregados. Ele reconhece a importância familiar para sua formação - além do pai e tios, teve muita influência do avô João Salustiano, 89 anos, que ainda hoje toca rabeca - e valoriza a criação linha dura que recebeu:
- Nós não podíamos sair para brincar. Com papai, tínhamos que trabalhar duro desde pequenos. Nas horas vagas íamos para as sambadas de maracatu, coco, cavalo-marinho, dentre outras coisas.
Mas Maciel não se contentou apenas com os conhecimentos passados por sua família e começou a buscar mais. Entre observações e conversas, foi cultivando amizades com os grandes mestres populares, como Luiz Paixão, Pitunga, Zé Duda e Mariano Teles. Apesar de não largar o tradicional, coisa de raiz, Maciel quis abrir a cabeça para os novos ritmos. Ele é bastante enfático quando afirma: "Faço musica para o mundo". E não esconde isso. Recebe muitas críticas, inclusive do pai, por misturar, por exemplo, guitarra com rabeca. "Quando é bem feito, vale a pena", diz.
Antes de entrar para a primeira banda, Maciel teve uma tentativa frustrada. Chamou alguns amigos para formar um grupo, mas ele acabou no mesmo dia em que se formou. "Eu queria trabalhar sério, e isso não era a praia deles. Eu não desisti porque ninguém começa do grande", diz. Algum tempo depois, em 1997, conheceu o zabumbeiro Caçapa, em uma festa na Cidade Tabajara, em Olinda, que o apresentou aos integrantes da banda Chão e Chinelo. Maciel foi chamado para assistir os ensaios da banda, e logo no segundo foi convidado para fazer parte do grupo.
- Papai ficou com um pouco de ciúme disso. Na época, eu fazia uns forrós instrumentais, mas nós tocávamos mais músicas dos outros. O negócio foi tão bom que no ano seguinte lançamos nosso primeiro CD, o Loa do Boi Meia-Noite.
A partir do trabalho com a banda, que durou apenas três anos, Maciel decidiu se aperfeiçoar no Conservatório de Musica de Olinda (Cemo). Começou então a conhecer novos ritmos e músicos, dentre eles, o DJ Dolores. Os dois haviam sido convidados para fazer a trilha sonora da peça A Máquina, de João Falcão.
- É outro universo. Eletrônico, mais pop. Ele me deu um CD cheio de bases para eu colocar música e letras. Fiquei receoso por ser diferente do que faço, mas fui conhecendo. Depois disso, ele me convidou para formar uma banda.
Assim, em 2002, Maciel passou a integrar o grupo DJ Dolores & Orquestra Santa Massa, juntamente com os músicos Fábio Trummer (vocalista do Eddie), Isaar França (ex-Comadre Florzinha) e Mr. Jam (percussionista de Lula Queiroga). Juntos, lançaram o CD Contraditório e fizeram várias turnês no Brasil e Europa. Foram 34 shows em 30 festivais. Outra trilha que Maciel dividiu com Dolores foi a do filme Narradores de Javé, de Eliane Caffé.
Paralelamente ao trabalho com Dolores, Maciel começou a preparar seu projeto solo, lançando em 2004 seu primeiro CD, Maciel Salú e o Terno do Terreiro - A pisada é Assim. Nesse disco, grande parte das musicas é de sua autoria. São letras que falam basicamente do cotidiano urbano, da Zona da Mata e da luta diária do povo. Sempre se preocupando com o conteúdo do que faz. O Terno do Terreiro é formado por Juliano Holanda, no baixo, bandolim e violão de dez cordas, Bruno Lopes e Tiné na percussão e voz, Zé Mário Freitas e Rudá Rocha na percussão. O disco teve apoio da Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Recife.
O segundo CD solo do rabequeiro, a ser lançado em breve, chama-se Na Luz do Carboreto e conta com apoio do Fábrica Estúdios e patrocínio da Chesf. Antes mesmo do show de lançamento "oficial", o disco já é sucesso, estando à venda desde o fim de 2006 nas lojas Oficina da Música, Vitrola, Passadisco, Livraria Cultura e Bodega de Véio, no Recife.
Durante a trajetória de Maciel Salú, sempre houve quem quisesse "colocar terra" em seu trabalho, pela mistura que ele faz. Não é fácil querer inovar, mas ele consegue fazer bem esta mescla de novos sons, acordes e instrumentos com a raiz tradicional, rabeca e ensinamentos populares, "sem perder a identidade nunca", como ele mesmo enfatiza. Dentre suas referências musicais estão Azulão, Ari Lobo, Luiz Gonzaga, Nação Zumbi, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino, Jacinto Silva, Mundo Livre S/A, Chico Buarque, sambas de cabaré e ritmos cubanos.
- Não posso esquecer o popular, isso é minha história. Eu misturo o tradicional com o contemporâneo, sem perder a minha referência. Tem que ser assim até mesmo quando se canta música de outro compositor
Apesar de saber que pagar as contas é necessário, Maciel afirma que não faz música só por dinheiro ou modismo. Sua paixão é mais forte e tudo o que faz é por amor. Esse também é um critério importante na hora da escolha dos companheiros de banda, ou com os parceiros - dentre eles, Siba, seu pai Mestre Salustiano, Nação Zumbi e Naná Vasconcelos (com quem trabalhou, ao lado de Décio Rocha, na trilha do curta Tejucupapo, de Marcílio Brandão).
Ele não concorda com a grande evasão de artistas nordestinos para o Rio de Janeiro ou São Paulo, com a desculpa de que Pernambuco não é bom para crescer musicalmente. Maciel mantém uma paixão incondicional pelo Estado. Para ele, qualquer lugar tem seus altos e baixos. E apesar das dificuldades - muitas vezes se viu sem dinheiro para comprar corda de rabeca - ele não pensa em deixar sua cultura, pois acredita que vai encontrar em qualquer outro lugar as mesmas vantagens e desvantagens encontradas aqui. Só que com uma diferença:
- Aqui é minha fonte. É onde vivo, crio, tenho inspiração, onde estou com minha família e minha cultura. Sem isso aqui eu não sou nada.
Dentre as dificuldades encontradas em Pernambuco, estão a falta de divulgação nas rádios locais, a desvalorização, desrespeito e os cachês baratos. Ele afirma que muitas vezes tem-se que tocar fora do país para poder ser reconhecido aqui.
- Sabemos que é difícil. Se (nosso CD) tocasse nas rádios ou aparecêssemos na TV, teríamos um publico maior, mas não se pode desistir. É bom subir degrau por degrau.
Para Maciel, porém, a maior mídia é o público:
- Às vezes estou andando na rua e vem alguém falar que ouviu uma música minha não sei onde, e que quer comprar o disco, ou que vai ao show. Isso é gratificante.
A melhor maneira para tentar superar as dificuldades é criando formas alternativas, e Maciel encontrou uma bem interessante para divulgar seu trabalho. Ele utiliza o som do próprio carro. "Tenho um corcel azul que chamo carinhosamente de 'O trovão azul'. Sempre que tem show eu divulgo nele, além de vender CDs". E tem orgulho disso: "Não se pode ter vergonha daquilo que fazemos"
Maciel sempre destaca a importância da trocas de experiências com outros músicos, como Mombojó, Lia de Itamaracá, Silvério Pessoa, e até com o público, que é bastante acolhedor onde quer que a banda chegue. Defende que ao tocar em outros lugares, o músico de certa forma leva Pernambuco junto de si, e essa divulgação "traz novos olhares para nossa música e cultura. Pessoas que vêm escutar, conhecer e estudar nossos ritmos". E dessa forma, além de falar para o mundo, ele cultiva cada vez mais nossa cultura.
- Chico Science foi muito importante. Ele mostrou a diferença e abriu a porteira. Eddie, Bonsucesso Samba Clube, Siba, Bongar (se somaram com) os tradicionais.
A mistura de inovação com tradição é uma constante no trabalho de Maciel Salú: ao mesmo tempo em que produz o CD de Mestre Zé dos Passos (projeto com patrocínio da Chesf), dedica-se igualmente à Orquestra Contemporânea de Olinda, uma junção dos integrantes do Terno do Terreiro com músicos da Orquestra Henrique Dias. No repertório, alguns clássicos como "Canto da Sereia", de Oswaldo Nunes, além de muito frevo, ritmos latinos e forró. A banda é uma espécie de orquestra-laboratório, e pretende ser um pontapé inicial para incentivar novos músicos. O primeiro CD, intitulado Volume 1, já está sendo preparado.
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Fonte: Rafaella Sabino, Brasileirinho
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