Minervino Gonçalves Rodrigues Guimarães
Foto: João Naves de Melo
Minervino: Artesão da Viola (2009)
São Francisco, o município, tem tradição de fabricantes de violas, rabecas, violões, caixas, balainhos e todo instrumental para folia. Não poderia ser diferente, considerando a imensurável vocação de nossa gente para a música e danças folclóricas – precisava mesmo de tantos instrumentos em seu universo, permitindo a proliferação de inúmeros grupos de foliões. Dos mais famosos artesãos, de hoje, temos o exímio Minervino Gonçalves Rodrigues Guimarães, 73 anos, em 2000.
No exato dia de Bom Jesus da Lapa, na companhia de meu genro André, viajei para o Angical, uma região das mais tradicionais e antigas do município de São Francisco. Depois de rodar uns bons minutos por uma bonita estrada, numa região onde foram plantadas as primeiras fazendas são-franciscanas, chegamos a uma casinha de adobe erguida nas barrancas da grota do Surucucu - era a casinha de Minervino. Ele esperava a nossa visita e, assim, logo entramos em seu mundo de artesão: as toras de imburana vermelha para fazer o bojo das violas e rabecas; os sarrafos de jacarandá, cedro, candeia, para os braços, craveiras e os enfeites; a plaina de madeira que ele mesmo fez, o formão e o sarrafo e uns pedaços de plástico rígido branco – ferramentas e matéria prima para dar forma a instrumentos maravilhosos que nas mãos de foliões dão vida aos diversos folguedos do meio rural, como se fossem mágicos de tão belos sons.
Uma viola para ficar no ponto de ser repicada leva de três a quatro dias de trabalho do seu Minervino. As laterais do bojo dela são armadas com duas tiras de imburana, contornando a forma que tem a curvatura do seu belo corpo, partindo do braço até o fundo, onde se encontram; depois se coloca o tampo, parte superior, com o buraco para expansão do som e o fundo, todo vedado – Minervino usa, para fazer a tampa, a imburana, cedro ou pinho; os frisos de candeio, que é madeira preta, para diferenciar da imburana e o cedro, madeiras claras; o braço é de cedro, mas o espelho dele é de jacarandá; as craveiras de pau d´arco, o cavalete de jacarandá; o braço recebe enfeite de pequenas circunferências feitas de plástico branco, talhadas, delicadamente, com um instrumento inventado pelo artesão. As ornamentações no tampo da viola são feitas com jacarandá incrustado.
Com o instrumento pronto, alisado e com as cordas apertadas, Minervino corre-lhe os olhos embevecido (ele gosta do que faz) e o acaricia dizendo um verso tirado das cantarolias de folia: "Quanto mais raio esta viola, mais aumenta o meu pená!"
A rabeca demanda quatro dias para ficar no ponto de chorar melodias na folia. É toda feita de imburana vermelha, menos o braço que é de cedro. O arco é de aroeira e a linha (cordas) de nylon (antes era de rabo de égua, preferencialmente). Pela delicadeza do instrumento toma-se mais tempo. Pronta, é um primor, soando doces acordes.
Minervino faz, com a mesma arte, caixas de todos os tipos, usando tamboril ou imburana; arco de caraíba, coro de veado e baquetas de aroeira. Pode variar, também, de acordo com o gosto. Conserta o famoso "pé-de-bode" que também gosta de tocar nos bailes da roça.
Na oficina – uma banca fincada debaixo de um xixá - ele também fabrica balainho, reco-reco, pandeiros e todo tipo de instrumento, lembrando que grande carapina foi um dia, quando mais moço, cheio de força e vida, a construir engenhos de cana que moíam macios; currais, cancelas e telhados. Desde menino se entregou à arte de lavrar madeira. Aos 18 anos aprendeu o ofício de fazer viola e rabeca com seu José Bicota, morador do Chapéu de Pedra, na Santa Justa. Saía de casa para aprender o ofício por gostar. A profissão de carapina veio depois.
Conversava com Minervino, no meio das ferramentas feitas por ele mesmo das armações, formas e toras de paus, quando despontou, na porteira de sua pequena morada a Folia de Bom Jesus da Lapa que estava na região – foliões remanescentes do famoso Terno do Sô Loro que o professor Pedro Vieira, da região, está reativando com muito carinho. Minervino se afastou e foi ao encontro do grupo postando-se ao lado da bandeira que conduziu até à entrada de sua casa. Passou-a para sua mulher e tomou a rabeca – um instrumento lindo que acabara de fabricar – e fez a pose de folião, chapéu caído na testa. A rabeca ganhou vida na saudação ao Bom Jesus, nas suças, quatro e numa interessante chula.
Por fim fomos todos tomar da pinga de Zé Rodrigues (Traçadal) na cuia – a pinga era tão deliciosa, mas tão boa que um dos foliões ao acabar de saborear um gole, parou a respiração, olhou para o céu, estalou os dedos, e suspirou com paixão: "Que delííiiiiicia.... parece mel". Tal entusiasmo levou o André que gosta mesmo é de levedo, a se aventurar numa bicota, esvaziando a pequena cuia usada como copo. Depois rodeamos as várias gamelas, para saborear aquele franguinho da roça com açafrão e muito tempero verde.
Minervino, grande e notável fabricante de viola, violão e rabeca é, também, um exímio violeiro e rabequeiro, apaixonado pela folia e pelo sertão onde tem fincado profundas raízes.
Depois desta visita e da publicação feita no Boletim CARRANCA, da Comissão Mineira de Folclore, a vida de Minervino não foi mais a mesma. Não perdeu nenhuma das suas características naturais, telúricas, enraizado que continuou na Grota do Surucucu, mas ele ficou famoso: vende viola e rabeca para Brasília-DF, Rio de Janeiro, Campinas, São Paulo, Goiânia e se apresenta em programas de TV, é citado em revistas e livros. Em tudo, muito contribuiu, também, a participação de Roberto Corrêa, grande autoridade brasileira em viola, sua esposa Juliana e a pesquisador Lia Macchi.
Hoje, a viola da Minervino toca em salões nobres, é o som barranqueiro indo além montanhas.
Fonte: João Naves de Melo
Mais informações:
http://joaonavesdemello.blogspot.com.br/2009/11/do-cerrado-as-barrancas-do-rio-sao_14.html
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