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A Rabeca

A rabeca ou rebeca é um instrumento musical de cordas friccionadas, aparentado ao violino, e geralmente encarado como uma espécie de versão mais rústica ou primitiva deste último. Apesar da evidente semelhança entre os dois, a rabeca pode ser considerada como um instrumento com identidade própria, uma vez que se distingue do violino em muitos aspectos, principalmente na construção e no modo de tocar.

Ao contrário do violino, a rabeca não possui um padrão universal de construção, apresentando muitas variações no tamanho, formato, número de cordas, afinações utilizadas e materiais empregados em sua confecção. As características de cada instrumento obedecem às tradições regionais e também à criatividade e aos meios de que dispõe o fazedor de rabecas, que é na maior parte das vezes um artesão com poucos recursos materiais. Quanto à maneira de tocar, o violino é normalmente posicionado sob o queixo do músico; a rabeca, embora também possa ser tocada nesta posição, é mais freqüentemente apoiada sobre o peito ou sobre o ombro esquerdo do tocador, à maneira de alguns instrumentos medievais. Tanto as características do instrumento como de sua execução permitem ao rabequeiro (ou rabequista) uma ampla variedade de timbres e sonoridades, bastante distintos daqueles encontrados no violino. Um exemplo: enquanto o cavalete do violino é curvo, para permitir a fricção de uma corda de cada vez, o cavalete da rabeca é geralmente bem mais plano, o que favorece a fricção de duas ou mais cordas simultaneamente.

Identificar uma origem precisa para a rabeca é uma tarefa complicada. Entre seus ancestrais mais remotos, estão provavelmente os primeiros instrumentos de cordas friccionadas, trazidos pelos árabes para a Europa, como o rabab ou rebab, de origem persa, e o ar’abebah, utilizado pelas tribos berberes da África do Norte. Estes instrumentos em geral traziam apenas uma ou duas cordas e uma caixa de ressonância em formato de pêra, recoberta por um couro. Versões mais sofisticadas destes instrumentos, chamadas de rabé, rabel ou rebec, agora já com tampo de madeira e três cordas afinadas em quintas justas, tornaram-se extremamente populares na baixa Idade Média, disseminando por toda a Europa a técnica e o som das cordas friccionadas.

Com o tempo, estes instrumentos acabaram por misturar-se com diversos tipos de violas de cordas pulsadas então em voga na Europa, como a vihuela espanhola. O resultado foi um novo instrumento que combinava a técnica e o som das cordas friccionadas com o formato característico da caixa de ressonância das violas, composta de dois tampos interligados por ilhargas, com um estreitamento central formando uma espécie de cintura. Ao contrário das violas, contudo, este novo instrumento tinha os tampos mais grossos e côncavos, e continuava a ser afinado em quintas. É com estas características que encontramos as primeiras referências ao instrumento chamado rabeca.

Uma variante menor deste instrumento, tocada sob o queixo e modificada por gerações sucessivas de meticulosos artesãos até alcançar um formato padronizado, resultaria no violino e nos outros instrumentos de sua família, que mais tarde se tornariam dominantes em toda a Europa. Com a popularização do violino, a rabeca tornou-se praticamente obsoleta no continente europeu, permanecendo apenas em algumas poucas regiões, principalmente áreas rurais e montanhosas. É o caso da rabeca chuleira portuguesa, do rabel dos pastores castelhanos e da rubeca presente em alguns pontos da cordilheira italiana.

É provável que a rabeca, sendo um instrumento popular na península ibérica à época do descobrimento do Brasil, tenha chegado ao país já nos primórdios da colonização portuguesa. Existem algumas referências bem antigas ao uso do instrumento em festas populares, como as realizadas na Bahia, em 1760, para comemorar o casamento da Princesa do Brasil (a futura rainha Maria I), com seu tio D. Pedro (mais tarde D. Pedro III): “No dia onze fizeram os sapateiros e corrieiros a sua demonstração em uma dança de ricas e vistosas farsas, que em nada cedia à dos alfaiates, e discorreram pelas ruas ao som de várias rabecas destramente tocadas."1

Em suas diversas variantes, a rabeca pode ser encontrada em praticamente todo o Brasil: nos fandangos paranaenses, nas folias de Reis de Minas Gerais, nos bois de reis e cavalos-marinhos da zona da mata nordestina, na música caiçara do litoral paulista, nos reisados e danças de São Gonçalo em todo o nordeste, em comunidades de índios Guaranis em São Paulo e no Rio Grande do Sul, na marujada do litoral paraense e em muitas outras regiões. Em cada um desses lugares, possui características e repertório próprios, tendo sempre como denominador comum sua integração aos folguedos e festas populares.

1Francisco Calmon, Relação das faustíssimas festas (Reprodução facsimilar do original de 1762; Rio de Janeiro: Funarte, 1982) apud Nóbrega, 1998:8.

Fonte: PACHECO, Gustavo; ABREU, Maria Clara. Rabecas de Mané Pitunga. Rio de Janeiro: CNFCP, Funarte, 2001:10-13.